terça-feira, 28 de junho de 2011

Turbulência

As palavras formigam em meu cérebro e não me deixam dormir... acordo entre geléias e açúcares cristalizados,alimentando as formigas pra que me deixem em paz...


É madrugada...
As janelas do meu ser estão emperradas...
Tento me libertar de odores fétidos medievais 
o carro do lixo está passando
estoco mercadorias e inutilidades internas,
gerencio escravidões,
há festejos lá fora...
Vejo o rastro da jiboia e me defronto com tiranias desmesuradas
tento combater a escuridão...
Negligencio e sofro.
Me apatizo e estendo cobertores torcidos
tento me amparar no passado e vejo remendos esgarçados,
sou predestinada...
Meus ouvintes adormecem
me fascino e me perco nas alquimias complicadas
tento uma mais simples
misturo paciência com liberdade
e vislumbro tons de sabedoria...
Me aquieto e tento aprender o silêncio,
dou uma olhada na alma universal
danço a valsa dos amantes
sou a imperatriz dos sonhos... 
Me aventuro na alquimia do amor
e encontro o sol e a lua
em  bodas, como o  espírito e a alma...
Adormeço nesse sonho colorido,
acordo na estiagem da turbulência
ao som da cantiga de ninar de Brahms
e da valsa sangue de Viena de Strauss.

The end

Posse da existência

Ah... às vezes fica tão difícil tomar posse da minha existência... 
fico regando rosas de jardins alheios, dou alguns flertes comigo e volto pra flores vizinhas... 
quero o inusitado... mas, cheiros campestre de outros jardins me rodeiam... 
fico enamorada, me perco de vista... 
Ah! Vou tentar voltar pra mim...

Num ritual latente, tento da existencia me apossar,
calafrios rondam minha alma em tons sepulcrais,
folheio livros sagrados e me remeto a  seus anais,
em feridas latejantes, rondam sombras  animais.

Ecos ao longe de desgarrados bebês ofegantes,
piscares enevoados  de luzes escurecidas
sombras de rostos entristecidos, empobrecidos, gritantes.
xipófagos simbióticos brutalmente assassinados...

Emito sons da existência, mas fujo de sua cilada,
espreito como árvores hibernadas  essa solidão incendiada,
braços ramificados me espreitam na parede
como raizes enraizadas, açoito seres com sede.

Existência gigante, existência pueril!
Vinde a mim! Meu ser conclama!
Existência mágica! Existência viril!
Entre lodos barrecentos seres se esparramam.

Quantos vestígios e litígios, querida existência,
fluxos desleais e pedidos de clemência,
que me importa se o homem continue a existir
tenho feira para fazer e um dente para extrair.

Brinco com a existência como pássaro perdido,
com asas remendadas busco novos abrigos
fabrico suportes para ti, entre prantos e risos,
com balas coloridas enfeito prantos antigos.

Desvanecida busco o sacrosanto,
duas vezes vida, duas vezes santo.
Limpo lágrimas da existência com o meu manto,
invoco deuses do olimpo para quebrar todo o quebranto.

The end

Soluços

Prantos forram meu tapete dourado da pérsia,
me desfolho no desenlace dolorido da inércia,
lágrimas escorregam, floreando meus lírios flamejantes,
ouço cantigas, operetas, gritantes, clamantes.

Participo de torneios de artes e tento esculpir minha dor,
descomprimo meu peito, como o abrir de uma flor...
Longe, ecoam-se gritos de liberdade de seres cantantes,
minha alma está encarcerada entre atos horripilantes.
 
Vejo lantejoulas caídas no lodo, enlameadas,
vejo ourives criando jóias adulteradas,
falseio tudo em meias verdades esfumaçadas
só para angariar emoções perdidas, perfumadas...

Garimpo pétalas de amor no regalo da vida,
tentando recuperar pedaços de uma vida esvaída.

Injeto gotas de sanidade em meu peito cansado,
busco na santidade eliminar esse pesado fardo.
Fujo da inquietude e assisto brincadeiras ao lado,
folhagens verdes se misturam ao estrume adubado.
 
Entro em meu habitat, cheia de desgostos,
dou abrigo a todos e tento acariciar seus rostos.
Algumas metades não conseguem se juntar e estilhaçam no chão,
ignoro o barulho estridente e bato de frente com minha mão.

Saio da agonia e enxergo gaiolas de ouro fascinantes,
fabrico novas sensações e fujo de ourives farsantes,
quebro a maçaneta da porta e fico presa por alguns instantes,
dou alguns passos e me perco numa dança inebriante...


Vou me juntando a Baco, Afrodite, Zeus, formando uma roda universal,
sinto minha pulsação intensa e irregular, fora do normal.
Quebro relógios ao meu redor e faço a inversão do tempo,
com fantasmas me rodeando, brinco com eles nesse meu doce lamento...
Ganho ramalhetes de flores e jogo pro ar, celebrando a vida,
entro num rio pequeno e tento molhar meus pés, cheios de feridas.




The End

terça-feira, 21 de junho de 2011

Jabuticaba, pêssego e cereja.

Genoveva tinha pele de pêssego que contrastava com seus olhos de jabuticaba e uma boca sedutora que mais parecia cereja...
Quando  passava pela  rua, balançando suas ancas, com seus peitos empinados e suas pernas grossas chamava a atenção dos homens daquele lugarejo.
Dizia-se que seu  corpo exalava um cheiro de jasmim com cravo e canela deixava enlouquecidos homens da região.

Certo dia, certa tarde, parou no  boteco próximo um caminhoneiro, que deixara na boleia Filisminda, mulata distraída, que retocava as unhas com azul enquanto esperava seu homem achar um trago e um borracheiro.

Genoveva atravessou a rua, se sabendo na passarela.
tinha sentidoodor dos desejos conhecidos, mas o calor que lhe varou desta vez o seu pescoço, mostrou-lhe que naquele dia havia uma vontade forasteira visitando ancas e seios.

Aprumou-se o mais que pode, para rebolar ainda mais o desejo, de um olhar que ela não mirava, mas que sabia que partia de não mais que dez passadas, à sua esquerda e encostado no pneu do caminhão.

Entrou na casa defronte, bem debaixo de uma placa, onde se lia com tinta borrada, preta em fundo de cor amarela, escrita sem licença de Deus, talvez pelo próprio Diabo, traçadas sem precisão, com letras desacertadas do Destino malsinado, no anuncio que dizia:

“Conçertasse pneu de carga

Quem entrou a seguir, junto com o olhar do povo, foi o próprio caminhoneiro enquanto Filisminda mulata distraída lixava as unhas azuis.

Foi Zequinha que atendeu, marido de Genoveva, que sabia de pneu mais que qualquer estrada e menos da mulher que tinha, que o resto de toda a cidade.

O povo viu que saiu Zequinha, rebocando  um macaco forte para qualquer jamanta e chave para porca engrimpada, para roda de qualquer destino.

Deu os boa tardes para Filisminda, que pintava agora as pestanas, sem nada de responder.

Abaixou-se e  levantou o truck com doze bombadas contadas na alavanca do macaco.

O povo mirava calado.

Filisminda distraída.
Seu Zequinha trabalhando.

E o caminhoneiro cadê?

Foi preciso que o vento amainasse o sussurro das folhagens para que o povo percebesse que de dentro da casa, bem  debaixo da placa, de letras desacertadas, dois corpos se esfregavam com sofreguidão e volúpia.
Gritos, sussurros e gemidos vazavam daquele  espaço. Uma sombra  reproduzia, através da porta aberta a luta daqueles dois corpos em busca do prazer....

                     Pareciam dois lutadores atracados em um pequeno pequeno ring, ausentes de toda a platéia
                     As  acrobacias eram tantas que as paredes pareciam tremer e se compactuar com aquele jogo de sedução e prazer.
Corpos molhados, umedecidos,clamando os sentidos, dedos perscrutadores percorriam seus corpos buscando zonas proibidas, tateando,tocando,massageando, enozando línguas molhadas, sufocando respirações ofegantes, mais  suspiros e mais gemidos  se ouvia do  local.......
Havia o uivar de um lobo?
Havia o miar de gata?
O povo disse que sim.
Mas o que Filisminda ouvia eram as seis marretadas que Zequinha aplicava na chave para  cada uma das doze porcas do pneu.
Súbito fez-se o silencio.
Zequinha baixou o truck. Deu por fim o serviço.
O caminhoneiro apareceu debaixo da placa amarela.
Ajeitou ainda a calça. Limpou os beiços na manga.
Olhou para o povo calado.
Encostou-se à porta da viatura.
Filisminda distraída escovava o cabelo que descia até o ombro.
Mirou o caminhoneiro bem no olho do Zequinha que ainda tinha a marreta pendurada pela mão.
-Quanto é, disse ele, metendo a mão no bolso para mostrar que havia um  cabo de treisoitão.

Diz o povo que o vento assoprou.
Foi por isso que a arara que voou?

Ou porque a Genoveva, descabelada, mordida, arranhada, com parte da veste rasgada e cara de fêmea possuída,  assomou justo na porta, debaixo da mesma placa com letras desacertadas?

O povo não sabe dizer o que Zequinha respondeu.

Porque do alto da janela, da porta onde se encostara, zuniu muito certeira ao pescoço do caminhoneiro, a navalha de Filisminda, mulata de unhas azuis, lixadas com todo esmero, cabelos de ombro a ombro escovados para o seu homem, que agora jazia deitado, com um olhar ausentado para o pneu, que Zequinha, marido de Genoveva, que tinha pele de pêssego e olhos de jabuticaba, acabara de consertar.
 

The End.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Celebração

Me engancho em contornos, nos rabiscos da vida...
Fujo do definitivo, das frases feitas,
transpiro gotas da relva, do orvalho do amanhecer...
Me desobscureço em folhas molhadas, pela garoa que cai...
Paredes antigas, umedecidas esfarelam, sucumbem no passado lamentoso...
Canto com os pássaros, visitantes assíduos de minhas janelas.

Regurgito bênçãos,
passo uma borracha  em murmúrios antigos...
Como sacerdotisa do amor, me deixo queimar em labaredas de carícias chamuscantes...

Negligencio a densidade da aflição,
me esbarro em árvores verdinhas suculentas
deixo meu pé fincar na terra vermelha molhada.

Abro as cortinas dos meus olhos e visualizo montanhas sagradas
Comungo com monges a leveza do viver
Penso em Kurosawa e descubro novos caminhos da vida...
Caio no desfiladeiro de Nietzsche  e me lambuzo do acaso...
Crio asas e voo no infinito.
Dou rodopios com o primitivo, de mãos dadas com o pueril...
Desfaleço nas orgias de Baco, caindo nos braços de Afrodite...

Extraio meu dente podre da minha boca ensaguentada,
me banho em sangue novo, borbulhante, emergente...

Raspo as costeletas de Elvis Presley e pulo de paraquedas com Lenine.
Visitando novos territórios
desobstruo minha alma de antigos pesadelos,
e caio desfalecida entre pétalas perfumadas de rosas.
Me banho nas espumas flutuantes de Castro Alves
cultuo meu habitat poético sagrado,
e reverencio poetas da vida, do mundo das orgias.

The end.

Sons da libertação

Minha alma caminha solitária e respinga os pingos gelados da chuva trêmula
do céu nublado, se esbarrando em afetos contorcidos de indigentes da desesperança..
 
Oh! Escuro da noite, liberdade sem medo! Onde estão?
 
Fujo das entranhas da vida e adormeço em braços cristalizados, endurecidos.
Saio de fúrias engessadas e tensiono músculos do meu coração,
adio provas e torneios.

Exausta, caio em gramas verdes, cheias de espinhos,
arroto dias em vão, cambaleando na escadaria da existência...
Flutuo em mares gelados,
em afetos contorcidos, despenco no  infinito...

Caminho na chuva solitária e lavo meu rosto da atmosfera suja e pesada,
carrego nos bolsos balas com licores diversos,
me lambuzo de framboezas e cremes achocolatados.
Deslizo na escadaria do infinito
e caio em lençóis de cetim do conformismo e da solidão.
É a vida que assim se contrapõe e se dispõe
assim, desse jeito, dessa forma... 
 
Oxalá a minha alma se desacalme e e me faça  furar as paredes da existência, 
indo ao encontro de almas borbulhantes, em convulsão,
descomprometidas do conformismo da estagnação.
 
The end.


Mulheres do nosso tempo

Mulheres gloriosas
com suas espadas desbravantes
venerandas de espaços luminosos
escavadoras de espaços purulentos
penduradas nas asas do saber
desmecanizam motores corroídos pela comiseração,
com seus estopins guerreiam...

Solidificam carreiras na abstração e na solidariedade
carregando fardo de generosidade
alvos de pilherias masculinas
circundam em tecnologias espaciais
como rebentos da terra
enchem seus chapéus de flores.

Abrem seus territórios para genialidades triviais,
discutem guerras
lambem suas feridas
cutucam dissabores dissonantes
se afeiçoam  às suas entranhas
pintam, colorem suas raivas germinosas
se despreendem de passados ingloriosos
gargalham em  saciedades odoníricas.
Campestres, risonhas...
Roliças, furiosas...
Selvagens e sensuais.

Se enroscam  em cobertores masculinos,
nas suas inseguranças e contradições
são amparadas por grandes Fortes
tricotando filosofias , saem pela tangente...

Ensaboadas, perfumadas...
Suas genialidades são guardadas em cofres
generosas se resguardam na lua cristalina inventada
sobem o morro com latas dágua na cabeça
se despem de receios e medos inuteis
acarinham com suas mãos fortes dissabores masculinos.

Centradas
guerreiras
cintilantes,
desbravam territórios,
assoviando, cantarolando...
Recebendo aplausos de gênios enlouquecidos,
contemplam, aplaudem vitórias mil
dos esquecidos, injuriados e repudiados.

Como minorias disfarçadas
se entregam, se esvaiem nas serpentinas da multidão
tateiam o escuro se lambuzando do piscar das estrelas
se desanuviam, arrancando suas máscaras da solidão e impotência...

Dirigindo em alta velocidade glórias mil,
se distanciam dos apegos e apertos...
Se contraem ante o improvável e
batem o pé na constestação....
Amparadas pelas festividades outonais
colhem cerejeiras,
e se tornam forasteiras e sorrateiras do faroeste
penduram seus revóveres nas cartucheiras e atiram
nas pedrinhas emperradas de calosidades
dos seus sapatos de saltos altos, apertados...

No nevoeiro empobrecido, gélido...
digladiadoras do futuro,
nagnânimas do tempo e do imprevisto
se potencializam  e se lambuzam
nas framboezas e nos morangos silvestres,
com seus perfis e narizes arrebitados.

De sua face rosada
emana odores de amíscar e pétalas de rosas brancas.
Criam touros nas suas arenas,
sucumbem, caem fatigadas
expõem suas fraturas expostas...
Entorpecidas, machucadas,
se garantem nos albergues noturnos
cheio de comichões.
The end. 

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Silêncio




Vejo a quietude de árvores balançando entre os ventos,
em harmonia, como uma sinfonia de lamentos
ouço, perscruto, silencio o silenciar,
abaixo minha cabeça e me remeto ao olhar.

Com as mãos deslizantes vejo o silêncio dos amantes,
a madrugada em sua quietude com seu novo despertar,
o coração batendo mansamente, complacente,
reluzente, sedoso, como a suave brisa do mar.

Desperto, olho a janela e vislumbro o sol dos amantes,
cantarolando, despertando com seus calores fulgurantes,
imantando cores fantasias com seus raios coloridos,
plantando brilhos e borbulhando seres intumescidos.

A quietude de anciãos valentes em seu balançar
de bebês adormecidos balbuciantes em seu despertar,
de amputados do destino desbravantes, itinerantes,
de lírios flamejantes agarrados em rosas em seu desfolhar.

No brilho estrelar cantante num céu borburante,
em poetas doadores da vida no regalo do amor
em manhãs silenciosas, saborosas com cheiro de café,
em seres transformadores da vida e alicerces da fé.

Me aposso do silêncio como uma pluma colorida,
injeto em minhas veias a quietude em sua plenitude,
esvaio no silêncio ensurdecedor incandescente,
mergulhando em rios brandos com suas nascentes.

Deito na relva, olhando para um céu afetuoso
sou acariciada pelo prazer refinado garboso,
entre carícias, amorosidades, me esparramo na grama,
desperto revitalizada, acarinhada com essa chama

Reverencio o silêncio e sussurro palavras em seu ouvido,
me aproximo de suas teias e toco em seu coração querido,
trocamos afetos completos, repletos em grandes dimensões,
complacentes, unidos, comungantes em grandes uniões.

The End.

Renascimento

Não, agora não!!!
Não, esse momento me pertence!
O clarão se anuncia, minha pele se reverbera, minhas vísceras...

Não, agora não!
Deixa-me sacramentar o criar, o respirar, o sentir meu desejo, a carícia que
me acaricia.

Não, agora não!
Eu preciso hoje orar, cantar, amar, gritar o meu nome
Não, agora não...
Deixa-me com meu instante, com as minhas ínfimas certezas advindas,com os
meus insignificantes e limitados progressos... 
Quero ficar longe das pressões e dos rancores.

Cale-se!
Não me atordoe.
Por que vou abrir meu ventre, tenho que costurar meu peito dos afetos rotos,
dessa cumplicidade insana....
Tenho que remendar cada vão soluço, 
cuspir cada gota do vinagre que elaboramos.

Não, agora não...
Quero hoje trilhar a aurora, me espreguiçando sem mágoas, com o sorriso
sereno de quem colhe rosas.
Sentir a terra na sola do meu pé, deixar o vento me castigar com lambadas de
chuva, lavando da alma o tudo que não lhe fui,

Quero sentir a chuva batendo no meu rosto, desatando a indecisão
insuportável dos receios, dos medos, das claudicações...
Quero enxergar o ser que sempre trouxe nas entranhas, destrancar com esta
chave a porta do medo, regozijar com o meu amanhecer. 
Quero a leveza desta madrugada, imersa no silêncio dos momentos mortos. 

Um novo alvorecer:a criança já dormiu....
O padeiro já trouxe o pão,
O leite está quente.
Há um fogão de lenha que traz de volta a minha simplicidade e pureza. 
Vou enxergar agora o mais primitivo do meu ser, como quem acorda e espreguiça e
nasce como um rebento, sujo de sangue, que chora e ecoa seu vagido de liberdade.
A liberdade sofrida, evadida da clausura do medo, que aspira e rasteja,
mas que sorve da teta da vida, que explora o cheiro da terra e rejeita o
azedume do vomito transformando-o em adubo da nova vida...

Estou saindo da aspereza eternizada para a digestão do sentimento e da
beleza, e veja: é da dor estancada que farei emergir o grande
pássaro!

Não, agora não...
Hoje sou pássaro e quero voar, vou sair do seu território, da sua
estreiteza medíocre e avarenta, agora vou ultrapassar a linha do seu
poder.
Não, agora não....
Quero dançar na memória da nossa vida, rasgar seus compêndios estragados,
urinar o suor frio do passado e acalentar este meu doce amanhecer com um
suspiro e um beijo, enquanto piso na relva molhada que é a trilha do nosso
adeus.

The end

terça-feira, 7 de junho de 2011

Sinfonia das emoções

 Vida, um assalto à mão armada... saimos ilesos, quando em trincheiras das sabedoria, 
imersos nos escombros da arte, buscamos refúgio na orgia dos prazeres, 
caindo do céu de Pirandello, sendo acariciada pelos anjos de Botticelli, 
nos fartamos da comilança do viver, e abrigo na louvação...


Emoções aprisionadas vociferam em coros rastejantes,  
do Requiém de Mozart  em lamentos crus dissonantes
amores  cortantes se rompem como cristais reluzentes,
em  jazigos noturnos jazem doentes-condolentes...

Dores encarceradas se banham em rios congelados,
clamando  novas nascentes em tons clareados,
êxtases de almas depuradas se contorcem em arrepios,
ressuscitando mares abertos e vertentes de novos rios.

Em taças transparentes são servidos corações servis,
com seus  coágulos  empretejados de  agonias senis,
em bandejas oferecidas  para todos os presentes,
emoções esquartejadas, primitivas, irreverentes.

Insubordinadas, irrompem como forças propulsoras,
escravas da razão, se alimentam em manjedouras,
apropriadoras vorazes de mentes em ebulição
da inquietude danosa gemem na sofreguidão.

Na complacência danosa buscam a harmonia,
como seres em ebulição uma nova sintonia,
na suavidade do despertar crepuscular do novo dia,
transmutam emoções horrendas, numa linda sinfonia.

Misturam dor com amor, argila com tequila,
flores em solidão, escravidão com coração,
germinam em novas linhagens, com novas roupagens,
em pedaços de espetos emergem como novas coragens.


The end

Beijos gulosos

 Beijos, carícias e amorosidades explícitas são como chuvas, 
que encharcam um canteiro de rosas e não eximem o viço, 
a beleza das flores umedecidas.


Com a boca entreaberta, me afundo entre cobertas,
entre  beijos saborosos, lambo beiços fogosos,
mordisco a língua entre a  aflição e a sofreguidão,
com o peito ofegante sofro um delírio alucinante.

Com açoites de amor respingo  nuances de dor,
salivo clandestinos dissabores e novíssimos amores,
línguas submergindo em oceanos de volúpia,
carnes latentes escorregam, farejando  novas núpcias.

Dispo o frenesi da agonia, e desemboco na orgia,
com arrepios latentes, ranjo meus dentes latentes,
como  flores descobertas nado em mares abertos,
entre desejos contidos, vocifero ruídos e gemidos.

Amacio peles arrepiadas, entre a comoção e o nada,
desanuviando toda dor, invoco duendes e fadas
cajados e varinhas mágicas se dispersam em multidão,
ante o esfacelamento da emoção, ajoelho em comoção.

Rogo a eternidade esse amor de instantes,
alimento visceral de desejos flamejantes
vejo luzes dançantes rodeando seres amados
entre um céu aberto de infinitos desnudados...

Com rituais harmoniosos, clamo seres fervorosos,
descubro a cama na lama, e me despeço  da fama,
com fogos de artifícios, despeço  amores fascistas,
metamorfoseio dores de amor em flores  ametistas.

Entre beijos gulosos retalho a dor esbugalhada
sorvo sua língua, sua saliva, e dou uma gargalhada,
engulo seu gosto, degustando substancias milagrosas,
transformo minha boca sedenta num jardins cheio de rosas.



The end

O que me resta

Resta então o  frescor de liberdade,
o vento gelado  no rosto
os pedaços de vida, da irreverente vida que acabou jogando-se ao lixo,
as borboletas azuis e vermelhas voando num céu caramelo,
o inverno dos vencedores com o inevitável encontro com os frios de alma.

As hortências azuis com gotas gélidas do orvalho,
encostadas no desfiladeiro, acobertadas pelo sol pálido de fins outonais,
os suplícios e suplicantes de almas condoídas
garantias efêmeras dos girassóis da Rússia...

Assovios  velados de mocinhos e bandidos,
o beijo molhado do fantasma solitário,
um canto da vida escondido em um  resto de mundo,
o lamuriar dos ventos segredando tristezas  de árvores distantes
outros povos, outras  pegadas desconhecidas.


Resta-me o resto
Do meu rosto
Dos meus sonhos
Daquilo que me prometi
E não fiz, nem sei porque

Um amor roto
Uma meia sem par
A antiga loucura que jamais abandono
Mais dois tostões de vida
E um campo florido de toda esperança. 


The end. 

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Dor sem rastros

Velejo em mares bravios, sem  saber nadar,
me encosto no deus Netuno, glorioso deus do mar...
Arranco enfeites supérfluos da minha casa dourada,
desenrosco calos da alma da vida inerte, desalmada.

Me encontro com marginais pedintes em plena avenida,
assovio canções tristes e me perco numa subida
da rua da aflição, entro numa rua contramão...
Sozinha, chorosa, escancaro minha solidão....

Consolo-me com o vinho, a água e o amor
assisto uma grande missa, cheia de louvor,
reencontro minha fé perdida, escondida...  
Regurgito a esperança numa terra banida...  


Perdida, cheia de feridas, numa rua  esvaída...
Procuro uma cachoeira e rezo pra minha padroeira,
ouço fascinação com o coração arrebatado,
deixo feridas abertas e  meu vestido desabotoado.

Busco minhas  raízes e me perco na escuridão
me escondo na infância e começo jogar botão,
dou um abraço em meus sentidos e rasgo meu vestido..
Fervorosa, sem escrúpulos, solto minha libido.

Oh! Amorosa vida que aqui me chama
exalo o odor da dor e caio na lama,
me deito no templo da perdição entre  afetos do coração,
deslizo na vida gloriosa, em pura comoção.


The end 

Memórias

Memória, bloco de gelo imersa no tempo...
Concretudes embalsamadas, abraçadas ao vento!
À noite arremessada pela Lua num céu em desalento,
de dia, assoprada como bolinhas de sabão ao relento.
 
Um tempo abstraído do cimento cortante,
perdido nas escadarias do cotidiano cinzento...
 
Me abstraio do tempo e entro em comunhão com a  solidão,
danço um solo na escada do tempo 
em seus cantos cheios de excrementos,
sou assistida por insetos solitários, perdidos em seus intentos,
dou uma pirueta e volto para os meus aposentos.
 
Cruzo essas intensidades e me deixo ser,
como pingos da chuva, que começam a escorrer
na lama da preguiça e do prazer...
Atravesso séculos, num voo infinito do renascer.
 
Sou dona do meu tempo e faço a vida girar,
de salto alto e vestido longo atravesso  o bravio mar,
assisto Maria Callas com violinos aos soluços,
sofro açoites do tempo e busco novos percursos.

 
The  end

Afetos transgressores


Atenção! Atenção!

Últimas notícias!
monstros soturnos atacam outra vez!

Tranquem as portas!
Travessias em erupções!
Explosão de vulcões!
Cabeças cortadas!
Duras penalidades!


Corro atrás dos meus sentidos,
me entrego aos deuses...
Sofro perjúrios, sou apedrejada...


Me arrasto em ruas escuras, num silencio glacial,
imobilizada sou jogada num beco sujo, úmido...
Sou desnudada e possuída por prazeres escondidos,
me esfrego em lamas barrentas...

Entro sem roupa no templo, procuro meu manto,
escorrego e me firo nos vitrais do sagrado,
um sangue escuro escorre de minha vagina,
desfaleço aos pés dos santos e de anjos desnudados...

Um anjo gigante de asas brancas fixa seus olhos em mim...
Me amedronto.

Um coro de vozes angelicais cobrem meu escoar,
nua, na igreja solitária, assombrosa,
vejo nuvens negras cobrindo meu rosto pálido, gelado...

Ajoelho, assustada, chorosa...

Imagens fortes, endurecidas me fixam nos olhos
assombrada, me encolho nas janelas de ferro,
aprisionada me debato com asas de algodão

Fixo meu olhar em anjos gigantes,
vejo suas asas fincadas em seus corpos,
fortes, acorrentados,
no escuro do firmamento

clamo sagrados louvores,
me penduro em falsos pendores,
como pêndulo, esvazio o tempo...

Congelo minha alma e faço calar essa cantiga de ninar,
antiga e triste que não para de gritar,
sem murmúrios, sem ruídos,
há um eterno silenciar.


 The  end