terça-feira, 31 de maio de 2011

Carícias da noite




Atrás da rapariga com sua maquiagem borrada, existe um discurso masculino sem afetos, um tratado sem Tordesilhas, uma amorosidade raspante, um coro de vozes discordantes, um amor sem amantes, fragmentos de almas em desencanto...





Um corpo sem carícias se esvai num céu sem estrelas,
carícias da noite adormecem no colo
Noturno de Chopin.

Entre ruínas e paredes descascadas,
vejo o quadro de Van Gogh caído no chão.
Entre luzinhas coloridas piscantes,
garotas se debatem com suas asas picadas,
no picadeiro da ilusão.

Me enrosco em rabiscos de prazeres noturnos,
sou carimbada  na entrada de bordéis,
extasiada, presenteio a lua para anjos da madrugada.

Entro em ninhos aquecidos e enterneço aflições geladas.
Saio da visceralidade diurna e circulo na noite  solitária,
com sua chuva persistente, desfilo com  animais...

Me descontamino das ruas cheias, e dou colo pra solidão,
escancaro meu corpo em plena Avenida São João,
entre juras e perjúrios, sou pura exposição.



The End

Fotos amareladas

 Solidão, menina endiabrada, acariciada pelo silencio, 
brincando com os fantasmas do tempo...


Entre poeiras e baratas,
tiro uma caixa do armário, com fotos amassadas,
e vejo, um desfile de rostos conhecidos...
meu tio Ariston, meu pai, meu irmão,
o espanhol turrão...
todos congelados, petrificados,
formando o cordão dos adormecidos, em épocas que já se foram.

Olho seus semblantes, rígidos e pálidos,
uma mancha marrom no queixo...
um olhar perdido...
São nuvens perdidas no espaço,
são ventos de moinhos desconhecidos,
são vértebras enterradas no passado.

A tristeza e a saudade me contaminam,
da infância, das brigas, dos abraços apertados.

Olho no fundo do baú e vejo inúmeras máscaras escondidas...
Me enrolo em enfeites bizarros e visto as máscaras...
Atravesso o tempo discordante,
Com o olhar fixo, sinto o presente...
do outono gelado melancólico.

Entre multidões, invisível e calada, não vejo nada e ninguém.
Me congelo no tempo das fotografias, das imagens em sua quietude.

Lá fora, o vento balança folhas de árvores...
Figuras estancadas em sua estranheza e fragilidade são observadas e nem se movimentam.

O sorriso congelado, o olhar perdido, a pose para a foto.
Engulo a saliva e prezo figuras que se foram e que são agora:

rabiscos da memória
guardiões do passado
olhares enevoados,
gigantes adormecidos,
rosas murchas, sem seus espinhos picantes
que se aquietaram nas cavernas do tempo...

Entrego-me aos abraços do tempo,
entre pedras de gelo e fluidos de carinho.

The end

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Fantasias despedaçadas

 Buscamos um doce refúgio na fantasia, e na aventura do viver...
criamos um colóquio amoroso entre as pedras, 
águas e flores e conseguimos escapar ilesos do cinzento cotidiano 
e das armadilhasimpostas pela cidade de pedra.


Fantasias circulam na madrugada gélida impiedosa
com seu capote preto orvalhado pela garoa manhosa
acotovelada por transeuntes esfumaçados, anestesiados
como fetos do desamor-escuridão acoplados

Desamparada  entra no bar dos desvalidos
é espreitada por seres falidos em comunhão
mendigos cantantes, bêbados pedintes polidos
poetas malditos, pintores anárquicos, artistas em vão...

Em seus palácios de cipós, cheios de remendos
comungam verdades insólitas, cantando em coro La Traviata
jogam pedras em vidraças sujas cristalizadas
se lambuzam de  mel,  ópio de cachaças.

Escorrem em  alamedas escorregadias
como  chuvas derretidas, de seres na contramão
nas chamas do desamor são engolidos
como dores perpétuas  esvaídas da solidão

Costuram seus remendos? em carne viva
com a brisa cantante  do amanhecer
soluçam em coros  gritantes, chorantes
as cinzas melodiosas do renascer...

Germe-azedume nas agruras do cotidiano
molestadas,engolfadas pelas luzes do amanhecer
incontidas, reprimidas, reduzidas,esvaídas
fatiadas-esquartejadas  nas ruas do renascer.


                 The end

Marcha da solidão

Rasgo as cortinas do destino e vejo seres em desatino,
 se desmontando, no submundo da ilusão,
 carregando seus pedaços em feiras de inutilidades modernas, dilacerados...
como numa grande Bienal. ..  de resíduos de escombros humanos esmagados ,


Se desmontam no quarto escuro da vida e saem montados em seres de porcelana, cheios de rachaduras..e limo infectados....


                                     
montam em seus carros artificiais de luxo...saem para seus  trabalhos remontados em guardiães da escravidão...




acorrentados, se debatem em águas turvas.... festejam com suas faces pálidas, seus salários cheios de comichões... compram quinquilharias  contaminadas com confeitos apodrecidos amanhecidos....


Se fixam,  em caixotes de papelões, encostados uns aos outros...  fantasiados em  arranha- céus....Desmoronam-se na contaminação  amanhecida de lagos secos putrefatados....


enfeitam seu ser com rosas murchas de canteiros apodrecidos pela terra ressequida de vermes venenosos.... pobres  vermes do destino, desamparados, soçobram na 
ribanceira, caindo em picadeiros escuros de circos rasurados com palhaços corrompidos....


Com a imagem denegrida, sucumbem do alto, voando com asas amortecidas, buscam novos territórios prá pousarem....seus dissabores, suas ilusões.....


                              The  end








quarta-feira, 25 de maio de 2011

Homens com asas de criança

Perdidos na inocência dos parques aquáticos coloridos
remam contra a vida num vigor juvenil.
Destemidos, carentes, traquinas,
com asas de  criança, homens de aço
franzinos, ruminantes, devassos
intelectuais, primais, atuais...
 
Super-homens com babadores,
reféns de povos bárbaros da antiguidade
se escondem sob armaduras gigantes
como leões rosados da ambiguidade.
 
Celebram  seus jogos píticos irmanados
com afeto e fúria consolidados.
 
Homens dinamites com suas pastas pretas de James Bond,
pegam seus carrinhos de brinquedo assassinos,
trafegam nas avenidas da aflição
e, em velocidades desenfreadas instigantes
desembarcam no túnel da escuridão.
 
Sacerdotes das trevas e do combate,
com suas  espadas empinadas para um céu escarlate,
irmanados de fúrias e afetos desconhecidos
se aninham em infinitos adormecidos.
 
Dominadores e invasores de territórios femininos,
guardiões da honra e do poder,
Hércules com chupetas a tiracolo,
guerreiros foragidos que buscam renascer.
 
Com sua anima massacrada
e seu animus endeusado
tem uma  visão embaralhada
de seus afetos camuflados...

Entre esbarrões e apertos de mão
se retraem em afetos solitários
dirigem suas vidas ao contrário
Temerosos , bastardos e valentes
criam asas e voam  num céu aberto,
entre cervejas e litros de aguardentes                      
se constelam em nuvens da  solidão.


                                     The end

Sagrado

Às vezes sinto falta do sagrado, de sua textura... cânticos  religiosos... missa dominical...

de coros cantantes, panis angelicus,  meninas de branco, com laços de fita pregados  em suas cabeças ,   e eu, fervorosa com os olhos infantis, pedintes, me dirigindo aos anjos,santos, Deus!

Reverenciando cada lágrima advinda do fervor...

hoje, me afasto do dogmatismo fervoroso que se diluiu e fez desaparecer antigos clamores....

é o novo se rasgando...
é o batismo se depurando...
é Nossa Senhora chorando...


Lágrimas perdidas  nos buracos  da fé

saudades...dos pedaços da vida...como carnes penduradas em matadouros...

e eu, perdida...no inferno sem telhado,
como  multidões rastejantes em  seus  torpores vazios
despejando seus  juízos  em taças furadas
deixando escorrer  o sangue pisado  das palavras em vão...


Crendices populares,
frestas escondidas
almas escuras
falsas profecias


Desanuvio mentes, expulso lágrimas endurecidas e caio de joelhos...
em pé...

volto prá relva endurecida do concreto e vejo carros, com seus motores barulhentos...

volto prá mim....em prantos...


                                        The  end


terça-feira, 10 de maio de 2011

Amo...


Amo os loucos.... em suas santidades petrificadas...submersos em mistérios e alucinações.... primitivos, inocentes, sem as cabeças amordaçadas....desfilam em pontes esgarçadas, sem egos... como .meros figurantes num mundo de estrelas obscuras, decadentes...
em seu vazio ensurdecedor, batem asas salpicadas de louvor...mágicos da realidade, metamorfoseiam suas dores obscuras em espasmos solitários, dormem em berços enferrujados da hostilidade e do inconformismo.

Amo os inseguros, os deprimidos, os anoréxicos, os medrosos, perdedores, fracos, etc. enfim, os que não se compactuam com o brilho efêmero, não se deslumbram com as luzes da ribalta, ficam no seu canto, em sussurros e meditação...únicos! em suas dores! sem o vômito azedo do social...despedidos das luzes da ribalta se encaminham para a cachoeira  dos solitários, em busca do banho da individuação...sem persona, sem caricaturas, se espremem na dor, prá  irrigar o inusitado do acaso....buscando intensidades que se cruzam no acontecer.....

Amo a vida..na sua androginia e bipolaridade...em toda as suas intensidades...no seu frenesi orgiástico. em seus  fluxos insanos  e desdita, em sua desesperança e ócio, em sua magia e desencanto, em suas disfunções, na sua escasses de vitórias e em amargas derrotas, nos seus surtos psicodélicos, em sua desesperança e ambiguidade, com todas as suas nuances e matizes, como ramalhetes de flores desfeitos... na sua cumplicidade e desafetos, com seus enigmas e embates, amo-sobretudo, pela sua finitude  e infinita generosidade. 

The End. 


Meu retrato

Sou


piegas, adocicada e melosa....


Danem-se os frios de alma, os não escolhidos...


me resguardo


me depuro


me repito


Sou....


chata, melódica-romântica


me alimento das reminiscências e dos pingos de chuva cristalinos


num céu de trovoadas e


de enchentes mil...


Sou 
filha das estrelas


e mãe da terra gentil


me comprazo na quietude do saber


e repouso na inquietude das aflições


corro atrás de devaneios e volto prás minhas indagações










pingo de chuva cristalino


filha da terra e das estrelas


caçadora de devaneios


comprazente do saber


retirante do véu do medo






amante por natureza


puta na afeição


dessas dou-me porque quero


não pelo que me dão






e se o afeto vier em trocados


devolvo em ouro de lei


pois sou mulher em caçada


de amor sem regra nem lei.






The end

terça-feira, 3 de maio de 2011

Romantismo em baixa ou céu degradê




Cai o véu de organza, a nuvem pendurada,
o céu escureceu e perdeu seu azul,
mas ele ficou mais bonito, escuro, degradê.

Saio dos escombros do romantismo
ilesa, forte, sã e salva...
Meu corpo recebe flechas cheias
de veneno da realidade,
meu sangue depura, renova e as expulsa.

Realidade imersa, submersa.
Negra, de uma negritude lustrosa, reluzente.
Saboreio morangos vermelhos, meio passados,
seu gosto ruim, azedo, não me surpreende.

Como diz Nietzsche:
 tudo que não me mata, me fortalece.
como diz o dito popular:
o que não mata, engorda..

Dou  tapas na escuridão,
em mosquitos venenosos,
zumbem  em  meu ouvido,
picam meus abraços,
ando perdida, sem abraços,
colo minha foto,num mural
e fico olhando, com um sabor de lirismo,
os abraços envoltos no meu.

Vou à cozinha e dou uma remexida
no meu doce de abóbora.
Está cozinhando, cozinhando.

de repente,

viro mulher aranha e como todos os mosquitos venenosos...
Crio uma barriga d’água e
fico exposta no circo de horrores.
Viro atração internacional.
Sou cumprimentada por grandes astros internacionais: Marcelo Mastraioni,
que ressuscita só pra me cumprimentar.
Sophia Loren, lindíssima, como sempre.

Vitório Gasmann,
Ressuscitado, me dá um beijo.
Ah! Sou beijada por astros internacionais.

E numa dessas, sou engolida
pelo Tubarão medíocre...
Corto sua barriga com meus dentes afiados, tratados (depois do bruxismo)
e emerjo, linda, em águas profundas,
como sereia.
Encantada, sou convidada para fazer o infantil, o mundo das sereias.

Vejo o tubarão, ensaguentado,
barrigudo, com dor
e morro de rir.
Um bruta monte, sem força,
sem charme nenhum,
nem sofrer ele sabe. Tapado!!!!

Bem,volto para minha realidade, abastecida.
Comi o tubarão (sozinha),
meu médico disse que precisava de fosfato.
Tenho fosfato para mais de dez mil anos.
Fico com a cabeça a mil,
mas o corpito de pequena sereia....
Sou convidada por Hollywood para dar palestras sobre romantismo em baixa.

Primeiro, digo:
elimina todas as estrelas com botox.
O produtor, muito encantado comigo,
segue meu conselho.
Fecha  Hollywood, afinal,
todas as estrelas eram botozadas.

Desanimado. me procura e
marcamos um encontro na
Terra do Nunca.
No dia, horário planejado...
Chega o dia...
Terra do nunca.

Mas o encontro não acontece e
nunca mais nos vemos.




                                                    The end