quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Tempo destemperado




Penso que esse tempo já passou
minhas costas já foram chicoteadas
e as feridas persistem


meu corpo se transformou
minha mente oscila
entre penumbras passadas
e o futuro sem cordialidades


o aqui, agora!!!!
está com insônia
imerso entre piolhos que saturam sua cabeça

as árvores abaixaram seus galhos
uns toquinhos de plantas rasteiras
persistem em vingar

rostos estão perfurados
pelo obscurantismo

penso num passado
com mais sentimento

mas momentos inglórios
persistem em atravessar
mares poluídos cheios de ratos

preciso quebrar esses muros
mas meus braços enfraqueceram
e a roda da fortuna continua a girar

presa em ratoeiras
tento sair, dando chutes
meus dedos sangram
o meu desconforto aumenta
pela apatia mundial
do menino negro morto
pelas ideologias de papel
fabricadas em mosteiros assombrados
por cadáveres medievais

rotas perdidas
e a pera é digerida
por ser adstringente e mole
como cérebros amolecidos
que vivem em cárceres privados

como o peido da lagartixa
eu preciso de uma cereja
pra esquecer esses fluidos
entrar numa falsa piscina
para amolecer minhas pernas
caídas, sem forças,
que insistem em dar o primeiro passo
do bebê que já foi substituído
pela coca cola e pelo fast-food

a hiprocisia invade a tragédia grega
e tenta matar Medéia
mas ela é salva por Svantevit
um deus de Croácia

Sem paradeiros
sem chão
sem tempo
sem coceiras

Assim termina mais um verão...


the end

Lixo

              
               

jogo cristais ao lixo
recolho melecas
é a história dos desvalidos

o lixo sempre permeia histórias
nem tudo são flores
puro clichê

do sangue derramado
fazemos grandes esculturas
de personagens
de meninos

da lama negra
notas musicais de Tchaikovsky
exalam o perdão
o desejo reprimido
dos gênios loucos
não aceitos
sublimados
jogados aos céus
ou aos infernos


fetiches glorificam o prazer
de mudas de rosas que não florescem
de sedas cortadas
de cetins sujos de escarros
de desejos não imagináveis
que cortam
que flutuam num mar sangrento
em unguentos
para curar virgens
aflorando cultos
ao hedonismo

é a selva de pedra amanteigada
com chás de ervas
e bolinhos de nozes

Salvaguardem seus miolos
recolham  merdas  dos  lixos
o mundo continua sendo dos imbecis!!


the end

Solidão



devassa
te engole
indigesta

sodomiza sentidos
em portões de aço
corpos em agonia
corvos devorando carniças

farsa humana
fardo, carma...

demole, infantiliza, fragiliza

Cálida, silenciosa
sedutora pueril

mansa
se apossa de aplicativos 
em versos

Solidão
rejeita Baco
e
caotiza


doce veneno, jiboia e gratidão


                    
the end






De Profundis



No real, dentro do trivial
conversas paralelas
descascam favas
acampando entre caras-pálidas

do outro lado da rua
práticas superficiais
subvertem feições
dos sem identidades
que buscam o pão amanhecido
da vida sem passado

sem retóricas
passo a passo
caminham em ralos entupidos
semeiam uma cabeça baixa
um olhar vazio
um choro recolhido

No fundo do poço
mora uma andorinha
que não se permite voar

nas quebradas, existe um justiçeiro
que amansa jagunços
com varas de pescar

a superfície não permite
o de profundis
os calos doem
as almas estão deserdadas

Cabe então
amansar a lama ou voar
num voo raso
sem ordenanças
até atingir a estrada?


the end

A arte



oh arte vem me salvar das animosidades do cotidiano
não queria ser feita dessa massa espúria
cheia de cabelos e ranhos
gostaria de estar nos cardápios salutares
voar com Baudelaire, Rimbaud e Rilke
corpo congelado,alma perambulando,sorriso desencantado
como ramos secos
dona da vida
encarecidamente te peço
estou sendo mutilada
pela tortura vazia do cotidiano
quero o gozo das vitórias nuas
o movimento do corpo sem naufrágio
rodelas de batatinha em minha testa
para curar minha dor de cabeça
Quero ser invadida por dom-quixotes!
tampar buracos da mente
e voltar no tempo
assoprar as velinhas dos 10 anos
e
em climas sinestésicos
subir em caldeirões
ver
o
caos
de
megeras da alfabetização
penduradas em giz branco
enforcadas
estarrecidas!

The End

Pazes com a criança




um homem chora inesperadamente
a alma mobiliza todos os tormentos
às vezes somos tão indefesos...
a doença nos transforma em crianças
visito meu sótão interno
tudo é tão insalubre, imperfeito
vivemos enjaulados
sujo minhas fraldas e volto para o meu universo desaparelhado


the end

Cabides vazios e a menina foi embora



Vestida de mulher
com o rosto de menina
brejeira, manhosa

Um dia essa menina desapareceu...

Ficaram suas fitas
sua coragem
sua ternura faceira

um dia reapareceu

sua face rasgada
seus olhos de vidro
sua máscara borrada
de batom,
olhos marejados
alegria perturbada
e o seu fim aconteceu...




Para minha querida mãe, in memorian, falecida em 25 de junho de 2014