quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Perecimento

                             


páginas abertas
apesar do mofo

alimentos perecíveis
estocados em armários

uma gravura
com a mão no queixo
um sábio

a maçã 
murcha
deteriora



The End

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Fim de noite




eternidade
recomeço
fim

lençóis sujos
portas abertas
cocô de gato

cachorro perdido
com colete
sem coleira

madame quebra o salto
piteira em fogo
queima seu vestido
longo em longa metragem

e Viramundo
vira
Viralata
                          Já passou 

momento único
foi-se

agora
o trem corre em alta velocidade
abaixa
pula
senão você morre



 the end

O terno, de Peter Brook



Rever Peter Brook aqui em São Paulo,  raro privilégio; 90 anos, de uma aura de pura sabedoria, eclético, que ao mesmo tempo que produziu um espetáculo de 9 horas, (1985), Mahâbhârata, baseado na história épica indiana,  desenvolve jornadas introspectivas, de raros sabores.

A peça prima pela sua delicadeza e simplicidade (há magia na simplicidade).
Atores impecáveis, carismáticos, livres, precisos, flutuavam no espaço, em energias de leveza e competência. 

A genialidade da encenação,  corroboram e fomentam ainda mais os elementos cênicos; texto x cenário x atores.

O autor, negro, (Can Themba) escreveu na África do Sul, (anos 50), esse conto "o Terno", em  meio ao  apartheid, que massacrou todos os autores negros da época. 
Os livros  de Can Themba foram banidos e ele exilou-se na Suazilândia, onde logo morreu de pobreza, tristeza e acoolismo.

Em resumo, a história  fala de um triangulo amoroso, no qual, "O terno" (magistralmente),configura-se como um signo forte da figura masculina do europeu (colonizador) que invade a vida do casal.

Reafirmando, a simplicidade  da encenação, me comoveu.
Fico com o simples. Chega de hermetismo, neologismo, "ismo" e viva Peter Brook!

As últimas conversas




Aplauso para o nosso saudoso Eduardo Coutinho, em seu último filme "Últimas conversas".
Um filme quase prenunciador de sua partida aqui da terra; em sua voz rouca, embargada, anuncia que talvez não termine a filmagem.
No seu primoroso conteúdo, E.Coutinho, consegue, com sua genialidade, transformar o comum num material precioso. Elimina as barreiras do preconceito e se fixa nas têmporas de cada adolescente.
Um grandioso Maestro regendo sua orquestra.
Temos a tendência de abolir, exterminar esse comum do nosso caminho. Leigo engano! No filme em questão, percebemos o ser humano ser devassado, trocando seu pedal e se imantando de sobriedade e encantamento.
Num grupo de adolescentes estudantes de escola pública, em sintonias emocionais diversas, vê-se o brilho da espontaneidade, a pureza das palavras e ações.Suas histórias são percursos de VIDA!
Não apresse o curso do rio....vamos sentir a respiração, o som, o tom, a imagem de cada ser, pequenino em sua grandeza idiossincrática, onde seu gens é deflorado milagrosamente, pelas mãos desse grande encenador.
O ingenuo vira profano, e o sacral se profaniza nos cantos líricos de cada profeta, ali sentados.. E Coutinho, como Moisés, descobre o caminho das águas.
A arte é isso, quando você sai do cinema, com sua mente estralando; seu ser sendo atingido por flechas da imaginação. O sepulcral foi morto em sua mediocridade e preconceito.
Sua memória se abrasa e faz esvair rebentos em gritos, nascendo....sendo expulsos do útero escuro e perscrutando esse admirável mundo novo.
E o final do filme, com uma menina de 6 anos, em sua espontaneidade diz, ou melhor, profetiza: Deus é um homem que já morreu...
Que the end abrasador, aquela menina graciosa, como o anjo anunciador, se rende aos encantos da sabedoria e transcendência da eternidade de EDUARDO COUTINHO.
VIVA EDUARDO COUTINHO!
BRAVO QUERIDO SER HUMANO, DEMASIADO HUMANO...

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Acordes


manhãs  em suas ordenanças
cansaço
sobriedade

paz 
em caminhos sonolentos
                  
asas coloridas de pavões
que abraçam versos
e  os depuram 

ruínas passadas
soterradas  em sarcófagos
com seus tesouros apodrecidos

e o vento se sobressai
com suas cantigas sem medo

coragem, diz o ancião

suba os degraus da fome
e saciará seus presépios
em encantos e sacramentos

fortalece sua anima
que apareça seu animus

visita as tragédias
e grita na Acrópole
o suor da noite
da escuridão

e Afrodite e Zeus
te abençoarão
em sua manada

e os meninos
brincarão de roda
com suas tranças louras
abraçando o carinho
que soçobra 
em casebres
fechados

a fumaça do gelo
degelará sua alma
que ainda perdura


The end

Remendos



esgarçados em fios de prata
um vestido de cetim
uma sandália prateada
ainda rondam os bailes da cidade

reerguer as costas
seu coração ainda  pulsa

pernas sacolejam
e o viço se sobressai

são as cantigas de outrora
o brilho
da  vaca
que ainda consegue te alimentar

ursos rodeiam o arraial
deixa acontecer!

memórias cruzadas
da idade média
com seus ritos fechados
que se abrirão



the end

Cadafalso






Inconsciente:
figura de retórica
alma:
figura decorativa


o seu dia é hoje
e não amanhã

o amanhã é o calo do sapato
a rua com poças dágua
o lixo acumulado

mas vai passar

como travestis vestidos de anjos
picados por cobras venenosas
que arrastam suas asas para 
um caminhar

Do infinito
fantasias esboçam um sorriso
em quimeras,

Águias e pássaros falantes
tocarão seus desejos
te permitindo voar



the end

Fica




fica mais um pouco
só um pouco mais
meus pés estão gelados

ainda tremo
mas passará com sua presença
nostálgica, 
fantasmagórica

perdoai nossas dívidas
assim como perdoamos nossos devedores

água rima com anágua
que ainda sobressai
em meu ventre
obscuro, latente

aquece minha mão
folhas se abraçam

o avião passa
levando pedidos para outro mundo



The End

Hoje




Hoje,
como todos os dias
aguardo...

um pombo correio
trazendo notícias
de Alfajares

um mosteiro libertino
um pé descalço
um abraço gigante

pedras imensas,
musgos  em sua volta
água cristalina

ouço Chopin
estática

só pra voltar a sentir...


The End